Artigo de Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues Arcebispo de Sorocaba (SP)
Fonte: cnbb.org.br
As manifestações de rua de considerável parte da
população, sobretudo jovem, revelam que nossa democracia está enferma.
Que pensar de uma democracia representativa em que os representantes não
representam de fato o povo que os elegeu? Esse divórcio está sendo
sobejamente manifestado nas ruas de nossas cidades. Torna-se evidente a
urgência de uma Reforma Política. É lamentável que os partidos políticos
se tenham multiplicado excessivamente para atender interesses de
pessoas e de grupos, sem a perspectiva do bem comum. Eis a lista dos
atuais: PMDB, PTB, PDT, PT, DEM, PCdoB, PSB, PSDB,PTC, PSC, PRP, PV,
PTdoB, PRTB, PP, PSTU,PCB, PHS, PSDC,PCO, PTN, PSL, PRB, PSOL, PR, PSD,
PPL, PEN, MD. Não consigo traduzir as siglas desse enorme contingente de
partidos.
As negociações do Poder Executivo
com as lideranças partidárias para poder governar com maioria no
Congresso Nacional constituem um espetáculo deprimente, submetendo com
freqüência a nobre atividade política a um doentio jogo de interesses.
Uma
assembléia constituinte específica para a Reforma Política, aventada
pela Presidente da República, já foi descartada como inconstitucional e
substituída pela proposta de um plebiscito, quando a sociedade será
consultada sobre alguns itens fundamentais da questão.
Na
última reunião do Conselho Permanente da CNBB, nos dias 19, 20 e 21 de
junho, assumimos, em parceria com a OAB e o MCCE (Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral), empenhar-nos na viabilização de um projeto de
Reforma Política de iniciativa popular, centrado em dois pontos
fundamentais: a) financiamento público exclusivo de campanhas; b)
mudanças no sistema eleitoral onde se pudesse conjugar, de alguma forma,
voto no partido e voto na pessoa do candidato. Mas é evidente que há
outros aspectos que devem entrar no plebiscito.
Mas,
além da Reforma Política, é necessária uma consistente formação
política que possibilite a todos compreenderem a importância da Política
como dimensão fundamental da vida em sociedade. As manifestações de
rua, com o passar do tempo, cairão no vazio se não forem iluminadas por
uma sólida filosofia política que permita aos cidadãos situarem sua vida
e suas opções dentro do contexto mais amplo de uma compreensão de como
deve ser a dinâmica da vida social em todos os seus aspectos. Falar em
filosofia política significa buscar a compreensão da razão de ser da
sociedade, da polis, tema sobre o qual os antigos refletiram com
profundidade. Falar em filosofia política é abrir espaço para pensar e
consolidar princípios morais que orientem, em todas as suas dimensões, a
organização e a vida da Cidade.
A Política
não pode ser refém da economia, sobretudo quando esta se organiza
exclusivamente em função do lucro. Pelo contrário à Política compete a
tarefa de regulamentar a atividade econômica de modo que esta se coloque
a serviço da vida. A alma da Política é, - assim entendeu Aristóteles -
, a ética donde devem brotar normas que regulamentem a vida em
sociedade. Mais importante ainda: todos os cidadãos devem ser
conscientes de que sem solidariedade não é possível construir uma Cidade
onde todos possam ser felizes. Donde a necessidade de formar para a
prática das virtudes, especialmente para a justiça.
A
Política é a ciência e a arte de construir o Bem Comum. Em sua primeira
encíclica o Papa Bento XVI nos lembrava: “A justa ordem da sociedade e
do Estado é dever central da Política. Um Estado, que não se regesse
segundo a justiça, reduzir-se-ia a um grande bando de ladrões, como
disse Agostinho uma vez: Remota itaque iustitia quid sunt regna nisi
magna latrocinia?” Nossas escolas, em todos os níveis, deveriam ser o
espaço principal de formação para a cidadania e não apenas para o
mercado e muito menos para uma liberdade sem limites.
A
formação para a cidadania implica a consciência dos direitos com a
noção e a prática correspondente dos deveres. Exige ainda a capacidade
de conviver fraternalmente com a diversidade sempre na busca sincera por
parte de todos do que é melhor para todos. Como faria bem o ensino de
Filosofia Política em todos os cursos de nossas universidades na linha
do pensamento de Michael Sandel! Este esteve recentemente no Brasil e
“defende um resgate dos princípios e das convicções morais diante da
lógica de mercado, em contraponto aos que pregam soluções técnicas e
ênfase apenas nos resultados”.
Faria bem a
todos nós diante das várias formas de fundamentalismo, inclusive o
laicista, ouvir Sandel: “Então, a política precisa estar aberta às
convicções morais dos cidadãos, não importa a origem. Alguns cidadãos
extraem convicções morais de sua fé, enquanto outros são inspirados por
fontes não religiosas. Não acho que devamos discriminar as origens das
convicções ou excluir uma delas. O que importa é o debate ser conduzido
com respeito mútuo”. Vivemos, em linguagem cristã, um momento de graça.
Não podemos desperdiçar esse momento.
Em 3 de julho de 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário